quarta-feira, 11 de abril de 2007

Novembro 2001 - Sebastião Mateus Arenque

“Os livros e o folclore são o sol que me aquece, e por ambos nutro a mesma paixão”

Sebastião Mateus Arenque. Uma lenda, um mito de tradições. O folclore corre-lhe pelas veias, na pureza daquilo que é povo, na memória de um passado vivido humildemente. Conheceu a vida madrasta. Cedo, menino e moço, pisou torrões de seca terra em busca do magro salário, comeu rabos de sardinha, ouviu o que não devia. A sua cultura feita povo transbordou da ‘universidade’ da vida para uma vivência de agruras. De algumas venturas também. Rendido ás coisas da tradição, Arenque é hoje ‘mestre’ com sabedoria de catedrático na área da cultura popular, que lhe deve o registo do seu estudo em sete livros editados. É a alma mater do Grupo Tradicional “Os Casaleiros”, hoje nosso caminheiro dos costumes da Azambuja.
(…)

Quais as reacções que sentiu à sua volta quando fez aparecer o grupo dos Casais?
As reacções foram as piores. A minha avó costumava dizer: “Enquanto houver mundo, há panelas sem fundo”. O aparecimento do Grupo Tradicional “Os Casaleiros”, com o meu nome na frente, suscitou a ideia de uma “cópia” do rancho Ceifeiras e Campinos, o que foi considerado por muita gente como um atentado fatal para o rancho da Azambuja. Esqueceram-se que os Casais também são parte integrante da freguesia, que a sua população tem um passado cultural muito rico, e que merece, como qualquer outra terra, o direito à divulgação dos seus valores culturais e tradicionais. Nenhum azambujense teve a coragem de investigar essa realidade, tão própria e tão diferente. Fi-lo eu, e tive a coragem de o mostrar publicamente. Assim, aqui está o Grupo Tradicional “Os Casaleiros”!
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Aceita a opinião generalizada que a representação dos “Casaleiros” tenha representado uma pedrada no charco do folclore do Ribatejo?
Não é meu timbre orientar os meus actos pelas opiniões alheias. O que faço é baseado em critérios que me parecem justos, e aceito as críticas construtivas. Não me parece que a representação do Grupo Tradicional “Os Casaleiros” seja um exemplo de virtudes. Perfeito, só o será uma divindade. O termo ‘uma pedrada no charco’ aplica-se a algo que pretende revolucionar um sistema, segundo o meu entendimento. Isso não foi o espírito que presidiu à formação do grupo. Se “Os Casaleiros” se apresentam com um projecto diferente, isso deve-se exclusivamente a um trabalho sério e consciente, rabiscado com muito cuidado nas entranhas do passado de uma comunidade humilde. A representação tem de ser, forçosamente, diferente.
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Os seus pontos de vista, em relação ás coisas da cultura tradicional, são tidos como ‘palavra de Lei’. O que acha que devia ser feito para exigir dos grupos arredados da representação folclórica uma acção consentânea com as raízes tradicionais?
Os meus pontos de vista em relação ás coisas da cultura tradicional são os que me dita a consciência, accionada pelos conhecimentos práticos que recolhi na universidade do povo, o que não me dá o direito de impor leis. Naturalmente, no folclore como em tudo mais, cada cabeça tem a sua sentença. Essa prosápia será talvez a razão maior dos erros que aparecem nas representações folclóricas. A meu ver, talvez haja da parte de algumas pessoas algum desconhecimento da matéria, o que me parece descabido, dado que já há bastante literatura que possa elucidar e guiar na formação de um grupo que se pretende realmente de folclórico.
(…)

Entre o folclore e a edição de livros, onde tem a maior paixão?
Casei os livros com o folclore há muitos anos. Ambos são o sol que me aquece, e por ambos nutro a mesma paixão. Se não houvesse folclore, eu não escrevia livros. Marques Rebelo escrevia: “Nenhum minuto é vazio desde que possamos sonhar”.




Viagem p’lo Tempo’ revela a veia poética de Sebastião Arenque
Numa feliz edição da Junta de Freguesia de Azambuja, datada de 2000, Sebastião Mateus Arenque mostra-nos a sua veia poética ao falar das ruas, travessas e vielas que conheceu na ‘sua’ Azambuja. Em cerca de setenta sextilhas, Arenque faz um retrato da vila, com saudade e alguma nostalgia. “Nesta viagem pelo passado, Sebastião Arenque guia-nos por ruas que calcorreou vezes sem fim, por becos e travessas onde brincou e sonhou, onde viveu dores e alegrias, desta Azambuja feita de paz dos humildes, da alegria dos simples, de luta, de suor”. É nestes termos que José Carlos Batalha, em nota introdutória da publicação, define o trabalho de Arenque.
Como aperitivo, deixamos estas sextilhas: “Vi Azambuja singela / Pequenina igual a ela / Humilde e tranquila / Depois de muito pensar / Deu-me para visitar / As velhas ruas da vila”. Ou: “A Travessa de Palmela / Embora não seja bela / Faz figura ao pé das feias / Recordá-la só eu sei / As passadas que lá dei / C’o sangue a ferver nas veias”. Ainda: “Assim termino a viagem / Com ela fica a mensagem / De tudo aquilo que vi / Velho compêndio d’história / Que retenho na memória / Do lugar onde nasci”.

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